terça-feira, 24 de março de 2009

PEQUENA CRÔNICA SEM TEMA

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Com certo esforço, eu plantava bananeira no meio da sala. Desde garoto tenho problemas por essa estranha mania. Naturalmente, é claro, eu não estava louco. Mas, o que fazer naquela segunda-feira de carnaval? Assistir um filme, naturalmente.

Era no verão, um dia quente. O relógio marcava seis e cinco. No rádio, um conjunto de balalaicas tocava uma música febril. De repente, alguém gritou: “Não beba isso! Estamos perdidos!”. Eu retruquei que a cerveja não era assim tão ruim. De repente, silêncio. Lá fora o zumbido do vento e vozes. E eu, tentando salvar um pouco da minha dignidade, mantendo, na bebedeira, uma postura de pesquisador que se embriaga para investigar, eu investigava a seguinte notícia: “É PRECISO SER CABRA-MACHO PARA ENFRENTAR A CRISE!”

“Este país está se encaminhando para uma revolução.” Pronto falei. Fez-se novamente um silêncio. “Revolução não é a palavra certa, talvez para as salas da IBM.” Ponderou Bob Dylan. “Embora o que se ouve seja desanimador, mais cedo ou mais tarde, se de fato, tudo acontece mesmo, serão as cabras a solução para a crise?”. Dylan pensou alto e depois se deu conta de que não estava em casa. Uma suave melancolia apossou-se dele.

Eu contemplava a cena e pensava na vida. Tudo isso que estamos falando é besteira, ele disse, pensei; o que quer que digamos é absurdo, e nossa vida é um absurdo total. Tento me atar ao mundo pelo humor, ou mau humor, como queiram. Apenas as crianças, assim como os cães e gatos, compreendem perfeitamente minhas atitudes. Nunca fui um incrédulo. Sempre aceitei as coisas mais absurdas que me contavam. Hoje, não tenho mais emoções dessa natureza. Não consigo ficar de luto por John Lennon, por exemplo. Não conhecia o cara.

Outro dia mesmo, saindo do cinema, sozinho, remoendo meu problema amoroso que o filme não me pudera fazer esquecer, tenho esse grito estranho: “A verdade mora no fundo do poço!”. Na mesma hora, chegou um táxi azul, lindo, conversível último tipo. Era Bob Dylan que me saudou buzinando e cantando:

O carro arrancou para a frente explodindo. As vitrinas e os bares estavam iluminados e a multidão transitava em todos os sentidos.