terça-feira, 17 de março de 2009

A DONZELA E O PLEBEU



Dizíamos que o ano de 2008 foi um marasmo em termos de show, e sentíamos que 2009 seria um ano mais agitado. Hoje, parece que previmos o óbvio. O anúncio de que Radiohead, uma das maiores, melhores e também (mas é minha opinião) mais incompreendidas bandas dos últimos tempos, viria finalmente ao Brasil.

Quando me vi na fila, acompanhando meu irmão de 19 anos para comprar ingresso pro remascarado Kiss, me dei conta de que mais um ícone do rock aportaria por aqui. E ainda não sabia, mas no fim de semana seguinte eu estaria presenciando a performance inacreditável de outro ícone, a consagrada Iron Maiden.

Explico como vejo o Iron hoje em dia. Pra começar, o rótulo heavy-metal, do qual a banda é símbolo supremo, é considerado por muitos o lado menos intelectual e mais boçal do rock. Letras mitológicas, virtuosismo e calças de lycra para homens confirmam a teoria. Mas, e principalmente, nos dois primeiros discos do Iron, sempre vi uma banda de rock progressivo formada por punks. Mas ao contrário do progressivo, eles nada tem de bucólico, mas usam e abusam, inesperadamente, de mudanças de fórmula de compassos e andamentos, levando-os para um caminho distinto também do punk.

Fui ao Maiden convidado por meu amigo Erik Laufer, outro fã de longa data da banda. Eu aceitei e me vi no Sambódromo pela primeira vez, com 37 anos. O Iron Maiden está na turnê Somewhere Back in Time, recriando o clima anos 80, a “época de ouro” do Maiden, com uma das formações “clássicas” (não podemos esquecer Paul D’ianno e Clive Burr): Bruce Dickinson, Steve Harris, Nicko McBrain, Dave Murray e Adrian Smith. Tinha um terceiro guitarrista, mas depois chegaremos à isso. “Clássicos” do Iron foram tocados de forma a lembrar de como a banda era boa. Resolvi entrar no clima do show, relembrando frases das músicas, vendo a multidão levantar os punhos em uníssono durante os refrões e passei a acreditar que estava diante da maior e melhor banda de heavy-metal de todos os tempos.

O fato é que no palco eles estavam perdidos no tempo. E antes de julgarmos, até o The Who fez a mesma coisa há alguns anos, tocando as (rsrs) óperas-rock Tommy e Quadrophenia ao vivo, respectivamente em 1989 e em 1996, na íntegra. Mas o The Who também sempre teve uma grande queda por piadas.

Criou-se na minha cabeça, que guarda em algum canto uma grande memorabilia do rock, momentos, que juntos, fazem um breve passeio histórico pelo passado e presente de meus antigos e novos ídolos. Afinal de contas, na semana seguinte seria Radiohead e a adolescência metaleira já teria passado.

Muito engraçado como lá estava quente, complementando a cor monótona, e fria, do Sambódromo, feito todo de concreto: piso, arquibancada, camarotes. Para piorar, uma pancada de chuva criou poças d’água no chão e na arquibancada. Aumentando o desconforto e a paranóia, li uma matéria na mesma semana cujo tema era o estado de conservação longe de ideal do local, com rachaduras nas estruturas e outros perrengues.

Quando Bruce, vocalista e líder dos cabeludos, entra no palco de cabelo curto, um subtexto de “sim, é tudo uma grande piada, e sabemos disso” paira no ambiente. A interpretação de “Rhyme of the Ancient etc” era uma espécie de ópera para principiantes. Bruce explica a alusão ao poema de Coleridge, e o liga à atualidade pelo tema “natureza e preocupar-se com ela”, se é que na época a banda se preocupava com isso. Mas tudo bem, na hora soou crível.

Numa afirmação da alma metaleira, sem concessões, Bruce conversa com a platéia (em inglês mesmo) que apesar daqui, Rio de Janeiro ou Brasil, ser a terra do Samba, naquelas duas horas estava sendo provado ser também a terra do rock, já que o show fora um dos mais lotados de toda a turnê (ainda não sei como ele obteve esses dados tão rapidamente). Acho que ele sabia o quão irônico estava sendo, falando isso na Praça da Apoteose, Sambódromo, lugar onde um mês antes ocorreu “um dos maiores espetáculos da terra”, ou seja, o Desfile das Escolas de Samba e o Carnaval.

Mas o que começou a me trazer de volta à 2009 foi o eterno Eddie gigante, surgindo mais uma vez por trás do palco, pesado, e com movimentos restritos. Se ainda fosse o Eddie que entrava no meio do palco interagindo com músicos e platéia, seria mais divertido. Mas quando tudo parecia muito anos 80 demais da conta, surge o Eddie do “futuro”. Explico: futuro, ali, entendemos tratar-se do passado, ou seja, do álbum “Somewhere in Time”, de 1986 que tinha um clima “Exterminador do Futuro”, cheio de guitarras sintetizadas.

Poucos dos cerca de 40 mil espectadores perceberam o humor da banda, que ao deixar o palco, puseram como música de encerramento “Look at the bright side of Life”, a canção que os crucificados cantam no final do filme A Vida de Brian, dos conterrâneos Monty Python. A emoção vai se esvaindo, e o quadro ia chegando ao fim. Hora de descer da arquibancada.

Indo embora, percebia como tudo passou rápido. Voltando, víamos a cara do Brasil. Num imenso corredor sem graça (concreto, vocês já sabem) camelôs que não conseguiram esconder a cara de que estavam lá por obrigação e não por “amor ao metal”, vendiam alguns tipos de “camisas oficiais” da turnê. Pensei em comprar uma, mas a piada sairia relativamente cara, já que 20 reais era o preço de uma camisa com estampa frontal totalmente plastificada e, nas costas, letras góticas escorrendo sangue, com os dizeres “Iron Maiden 2009. Eu fui”.

Uma coisa engraçada me veio à mente. Estou a uma semana de estar no mesmo local para minha atual banda favorita, o Radiohead.

Agora imaginei que o show da semana que vem seria melhor num evento dos moldes do Claro que é Rock (que teve Sonic Youth, NIN, Flaming Lips), com área mais verde, grama, tenda lounge, arquibancadas mais próximas etc.

Lendo a comparação que Simon Reynolds faz entre Thom Yorke e Morrisey, hoje em dia fingimos ser normal, ou se tornou “parte da paisagem”, a afetação do ex-vocalista dos Smiths, banda mais que consagrada pelos entendidos de rock. Boa parte dos meus amigos ainda acha estranha a afetação do vocalista do Radiohead. Mas por favor, tenham mais consideração.

Além do Radiohead, na sexta também veremos Kraftwerk, os reis das músicas criadas por sequenciadores, e executadas ao vivo de um modo quase secreto: ninguém vê o ato de “esmerilhar o instrumento”, já que as telas dos laptops dos quatro membros escondem os teclados e estranhas mesas de mixagem.

Depois, o rock estranhamente eletrônico do Radiohead, que tocam rádio, alteram voz, tocam instrumentos eletrônicos saídos de museu (onde se compra um Ondes Martenot do século XIX?), ou seja, reverenciam sons eletrônicos executados como instrumentos “de verdade”. Bem, o ano de 2009 parece que está finalmente começando. Não é só marola.

Por Sidney Honigsztejn

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