sábado, 28 de março de 2009

RECORDAR É VIVER

ENTREVISTA COM DASLU:

PAQUI – Quanto é o expresso?

DASLU – Trezentos reais.

PAQUI – Aceita cheque?

DASLU – Se não for meu, eu aceito.

PAQUI – Seria a opressão algo tão antigo quanto o musgo dos lagos?

DASLU – Tenho inimigos. Portanto, devo ser famosa.

PAQUI – Decidi. Vou levar o vermelho que está pendurado ali.

DASLU – O extintor não está à venda.

PAQUI – Nossa, que anel bonito. É diamante?

DASLU – Não. Ganhei do meu marido mesmo.

PAQUI – Uma frase

DASLU – Sou feia, mas tô na moda.

Entrevista realizada por Paqui em 28/06/2005

sexta-feira, 27 de março de 2009

BREVES BIOGRAFIAS - II

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DON ROSSÉ CAVACA

José Martins de Araújo Jr. ou Don Rossé Cavaca (1924-1965) foi radialista, ator, humorista, jornalista e publicitário. Escreveu para o Jornal dos Sports e participou da fundação do jornal Tribuna da Imprensa.

Lançou o livro "Um Riso em Decúbito" em 1961. Uma pérola do humorismo brasileiro. Quase um precursor do “twitter” pois cada página contém apenas uma frase, um poema ou uma piada. Desconcertante, rápido e certeiro, Cavaca impressionava ao mesmo tempo pelo poder de síntese e pela abrangência de suas máximas que poderiam ter sido escritas hoje.

Foi também um dos inventores das já vulgarizadas "pegadinhas" da televisão com a “Câmera Indiscreta do Cavaca”, nos primórdios da TV Globo. Morreu vítima de um acidente de lambreta. Tinha 42 anos.

Algumas de suas criações:

“Há milhares de notas falsas em circulação, mas tão prestativas que conquistaram a confiança de todos.”

“O jeito é uma revolução! Sabe quanto está custando um iate?”

“É tanta polícia que a gente fica sem a mínima garantia.”

“Flagrei minha mulher me pegando em flagrante.”

“Cheguei da China sábado. Quanta criança!”

“Que corrupção é essa que a gente morre sem conseguir atingi-la?”

“Velório chato. Cafezinho excelente.”

“A decoração moderna exige algo novo em matéria de antiguidade.”

“Para atingir o nível do nosso futebol, os europeus terão que se subdesenvolver muito.”

“Agora gostaria que as senhoras fizessem silêncio, mas todas ao mesmo tempo.”

quarta-feira, 25 de março de 2009

COMO DEFENDER INTELECTUALMENTE O BIG BROTHER

Acompanho o programa desde o primeiro. Algumas edições com mais outras com menos assiduidade. Além do Big Brother, tudo o que a TV transmite, me interessa em algum aspecto, não só pela questão profissional. Muita gente não consegue, mas eu me divirto em frente a TV ligada, é verdade.

Entendo que em relação ao Big Brother, a partir de um determinado momento do “jogo”, quando todas as pessoas minimamente interessantes já saíram, a coisa perde intensidade e fica um tédio que nem a edição, muito esperta por sinal, consegue salvar.

Saindo do “Big Brother” de Orwell, e entrando na "brodagem" da casa, o programa se sai bem. Foram necessárias nove edições, mais de dez anos para se criar um formato definitivo e ainda assim sujeito a improvisações. Como foi o caso desta edição onde tivemos o programa dentro do programa (a casa de vidro, o quarto branco, a casa dentro da casa). Metalinguagem? Alegorias? Símbolos? A ficção mítica?

Podemos até afirmar que o que menos importa dentro da casa são os participantes. Habitar um mundo sem recursos, onde se é forçosamente transformado em um mentiroso, sem ser realmente um mentiroso, a saída é ficar o máximo de tempo em repouso. Deve ser por isso que eles dormem tanto.

O paredão é a metáfora da angústia sobre nosso destino. Trata-se também de uma espécie de “anulação” consentida de si mesmo. De toda maneira o extraordinário se situa no fato que a partir do momento em que a pessoa é “eliminada” ela ganha uma “outra vida” fora da casa. Alguns saem como se tivessem acabado de escrever um "romance de tese". Sou levado a crer que escreveram mesmo. Fico um tempo para parar de pensar que sabão em pó não é uma arma eficaz contra formigas.

Falando em romance, os textos do apresentador Pedro Bial são um programa à parte. Ele sabe disso por ser escritor. As citações que vão de Wittgenstein, passando por Nelson Rodrigues, Camões, Guimarães Rosa e até Winston Churchill parecem recados para todos os detratores do programa. Alguma coisa como: “Aqui o nível da discussão é alto.” O mais impressionante é assistir como os concorrentes tentam decifrar o que acabaram de ouvir. Imagino Pedro Bial debruçado sobre o Livro das Citações atrás de alguma passagem para ilustrar a guerra de espuma entre Fran e Flávio, as estratégias de Max, a placidez de Priscila durante um banho sol e as constatações de Ana Carolina sobre fraude e jogo. Para todos esses casos, sugiro Wiliam Blake:

“Se os outros não fossem tolos, seríamos nós.”

Gostaria de ver mesmo é um Big Brother com a casa vazia. Câmeras transmitindo durante três meses o mato crescendo, a piscina cheia de folhas e a sala acumulando poeira. Os anúncios de publicidade poderiam até ficar por lá. O que contaria seria o sentimento sempre presente de nossa finitude.

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terça-feira, 24 de março de 2009

PEQUENA CRÔNICA SEM TEMA

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Com certo esforço, eu plantava bananeira no meio da sala. Desde garoto tenho problemas por essa estranha mania. Naturalmente, é claro, eu não estava louco. Mas, o que fazer naquela segunda-feira de carnaval? Assistir um filme, naturalmente.

Era no verão, um dia quente. O relógio marcava seis e cinco. No rádio, um conjunto de balalaicas tocava uma música febril. De repente, alguém gritou: “Não beba isso! Estamos perdidos!”. Eu retruquei que a cerveja não era assim tão ruim. De repente, silêncio. Lá fora o zumbido do vento e vozes. E eu, tentando salvar um pouco da minha dignidade, mantendo, na bebedeira, uma postura de pesquisador que se embriaga para investigar, eu investigava a seguinte notícia: “É PRECISO SER CABRA-MACHO PARA ENFRENTAR A CRISE!”

“Este país está se encaminhando para uma revolução.” Pronto falei. Fez-se novamente um silêncio. “Revolução não é a palavra certa, talvez para as salas da IBM.” Ponderou Bob Dylan. “Embora o que se ouve seja desanimador, mais cedo ou mais tarde, se de fato, tudo acontece mesmo, serão as cabras a solução para a crise?”. Dylan pensou alto e depois se deu conta de que não estava em casa. Uma suave melancolia apossou-se dele.

Eu contemplava a cena e pensava na vida. Tudo isso que estamos falando é besteira, ele disse, pensei; o que quer que digamos é absurdo, e nossa vida é um absurdo total. Tento me atar ao mundo pelo humor, ou mau humor, como queiram. Apenas as crianças, assim como os cães e gatos, compreendem perfeitamente minhas atitudes. Nunca fui um incrédulo. Sempre aceitei as coisas mais absurdas que me contavam. Hoje, não tenho mais emoções dessa natureza. Não consigo ficar de luto por John Lennon, por exemplo. Não conhecia o cara.

Outro dia mesmo, saindo do cinema, sozinho, remoendo meu problema amoroso que o filme não me pudera fazer esquecer, tenho esse grito estranho: “A verdade mora no fundo do poço!”. Na mesma hora, chegou um táxi azul, lindo, conversível último tipo. Era Bob Dylan que me saudou buzinando e cantando:

O carro arrancou para a frente explodindo. As vitrinas e os bares estavam iluminados e a multidão transitava em todos os sentidos.

domingo, 22 de março de 2009

BREVES BIOGRAFIAS - I

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HUGH MUNDELL

Dono de uma voz suave e plena de espiritualidade, Hugh Mundell (1962–1983) nascido em Kingston, Jamaica, foi um dos artistas mais talentosos de seu tempo. Com apenas 16 anos escreveu e co-produziu com Augustus Pablo, todas as músicas do disco “Africa Must be Free by 1983”, lançado em 1978. Essa maravilha de álbum contém faixas do reggae mais bem cantado e tocado do planeta. Em uma trágica ironia, Hugh Mundell foi assassinado aos 21 anos, justamente em 1983, supostamente o ano da libertação universal.

 

quinta-feira, 19 de março de 2009

MASH UP: JOÃO BOSCO X THE CLASH

Inter-relacionar brevemente trechos das músicas “Agnus Dei” (1972) de João Bosco e Aldir Blanc e “Rock The Casbah” (1982), da banda inglesa The Clash:


Este compacto, editado pelo Pasquim, contém a primeira gravação de "Águas de Março" de Tom Jobim e a estréia de João Bosco com "Agnus Sei" que depois mudaria para "Agnus Dei"

Cordeiro de Deus, ou Agnus Dei, é uma expressão em latim usada para se referir a Jesus Cristo. O sacrifício de animais e até mesmo de pessoas sempre fez parte de rituais religiosos em várias partes do mundo. Para a religião católica, a morte de Jesus Cristo seria o sacrifício master, além da maior prova do amor de Deus para com a humanidade.

No século XV, o Tribunal do Santo Ofício foi criado para garantir a unificação dos reinos de Aragão e Castela ou “Espanha”, como chamamos hoje. O plano era converter, com todos os meios necessários, o máximo de mouros e judeus que naquele momento eram parte do novo reino.

“Faces sob o sol, os olhos na cruz
os heróis do bem prosseguem na brisa da manhã
vão levar ao reino dos minaretes
a paz na ponta dos arietes,
a conversão para os infiéis”

“The king called up his jet fighters
He said you better earn your pay
Drop your bombs between the minarets
Down the casbah way”



“Casbah” quer dizer “Cidadela” ou fortaleza que domina e protege a cidade. Reza a lenda que o hit eterno “Rock the Casbah” foi inspirado na decisão do líder Ayatollah Khomeini de banir o rock and roll do Irã.

“Para trás ficou a marca da cruz
na fumaça negra vinda na brisa da manhã
Ah! Como é difícil tornar-se herói
Só quem tentou sabe como dói
vencer Satã só com orações”

Em 1972, o Brasil vivia uma ditadura militar onde foram presos, torturados e assassinados estudantes, operários, políticos, jornalistas, religiosos e militares que lutaram contra o regime.

“By order of the prophet
We ban that boogie sound
Degenerate the faithful
With that crazy casbah sound”

A letra de “Rock the Casbah” conta a história de uma revolta popular contra a proibição de ouvir música. O rei manda bombardear geral mas os pilotos ignoram as ordens e passam a sintonizar e ouvir rock no rádio de seus caças. Uma fábula, obviamente. Mas, como diria William Burroughs, é possível começar um grande tumulto com apenas dois toca-fitas.

“The jet pilots tuned to
The cockpit radio blare
As soon as the shareef was
Outta their hair
The jet pilots wailed:
The shareef dont like it
Rock´n the casbah
Rock the casbah”

Em 1982, o Irã entrou em guerra contra o Iraque, a Inglaterra entrou em guerra contra a Argentina e o Brasil entrou em guerra contra Paolo Rossi. Mesmo assim, nunca deixei de acreditar na existência de uma força na música que seria capaz de mudar o mundo.

“Meu profano amor eu prefiro assim:
a nudez sem véus diante da santa inquisição.
Ah, o tribunal não recordará
dos fugitivos de Shangri-lá
O tempo vence toda ilusão.”

quarta-feira, 18 de março de 2009

TRÊS POEMAS ANTIGOS E UM NOVO:

YOUR SILENT FACE

A mesma noite
Virá diferente
De tudo o que vivemos
Algo de festa
No meio do jardim
Onde brindamos
A imortalidade
Daquele amor

TARDE

O sol invade a casa feito a música das caixas

DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS


Escrever é minha prece

SEM/COM

Espaço
Artifício
Bravura
Chinelo
Humor
Legenda
Recato
Desejo
Sono
Tempo
Música
Palavras

terça-feira, 17 de março de 2009

A DONZELA E O PLEBEU



Dizíamos que o ano de 2008 foi um marasmo em termos de show, e sentíamos que 2009 seria um ano mais agitado. Hoje, parece que previmos o óbvio. O anúncio de que Radiohead, uma das maiores, melhores e também (mas é minha opinião) mais incompreendidas bandas dos últimos tempos, viria finalmente ao Brasil.

Quando me vi na fila, acompanhando meu irmão de 19 anos para comprar ingresso pro remascarado Kiss, me dei conta de que mais um ícone do rock aportaria por aqui. E ainda não sabia, mas no fim de semana seguinte eu estaria presenciando a performance inacreditável de outro ícone, a consagrada Iron Maiden.

Explico como vejo o Iron hoje em dia. Pra começar, o rótulo heavy-metal, do qual a banda é símbolo supremo, é considerado por muitos o lado menos intelectual e mais boçal do rock. Letras mitológicas, virtuosismo e calças de lycra para homens confirmam a teoria. Mas, e principalmente, nos dois primeiros discos do Iron, sempre vi uma banda de rock progressivo formada por punks. Mas ao contrário do progressivo, eles nada tem de bucólico, mas usam e abusam, inesperadamente, de mudanças de fórmula de compassos e andamentos, levando-os para um caminho distinto também do punk.

Fui ao Maiden convidado por meu amigo Erik Laufer, outro fã de longa data da banda. Eu aceitei e me vi no Sambódromo pela primeira vez, com 37 anos. O Iron Maiden está na turnê Somewhere Back in Time, recriando o clima anos 80, a “época de ouro” do Maiden, com uma das formações “clássicas” (não podemos esquecer Paul D’ianno e Clive Burr): Bruce Dickinson, Steve Harris, Nicko McBrain, Dave Murray e Adrian Smith. Tinha um terceiro guitarrista, mas depois chegaremos à isso. “Clássicos” do Iron foram tocados de forma a lembrar de como a banda era boa. Resolvi entrar no clima do show, relembrando frases das músicas, vendo a multidão levantar os punhos em uníssono durante os refrões e passei a acreditar que estava diante da maior e melhor banda de heavy-metal de todos os tempos.

O fato é que no palco eles estavam perdidos no tempo. E antes de julgarmos, até o The Who fez a mesma coisa há alguns anos, tocando as (rsrs) óperas-rock Tommy e Quadrophenia ao vivo, respectivamente em 1989 e em 1996, na íntegra. Mas o The Who também sempre teve uma grande queda por piadas.

Criou-se na minha cabeça, que guarda em algum canto uma grande memorabilia do rock, momentos, que juntos, fazem um breve passeio histórico pelo passado e presente de meus antigos e novos ídolos. Afinal de contas, na semana seguinte seria Radiohead e a adolescência metaleira já teria passado.

Muito engraçado como lá estava quente, complementando a cor monótona, e fria, do Sambódromo, feito todo de concreto: piso, arquibancada, camarotes. Para piorar, uma pancada de chuva criou poças d’água no chão e na arquibancada. Aumentando o desconforto e a paranóia, li uma matéria na mesma semana cujo tema era o estado de conservação longe de ideal do local, com rachaduras nas estruturas e outros perrengues.

Quando Bruce, vocalista e líder dos cabeludos, entra no palco de cabelo curto, um subtexto de “sim, é tudo uma grande piada, e sabemos disso” paira no ambiente. A interpretação de “Rhyme of the Ancient etc” era uma espécie de ópera para principiantes. Bruce explica a alusão ao poema de Coleridge, e o liga à atualidade pelo tema “natureza e preocupar-se com ela”, se é que na época a banda se preocupava com isso. Mas tudo bem, na hora soou crível.

Numa afirmação da alma metaleira, sem concessões, Bruce conversa com a platéia (em inglês mesmo) que apesar daqui, Rio de Janeiro ou Brasil, ser a terra do Samba, naquelas duas horas estava sendo provado ser também a terra do rock, já que o show fora um dos mais lotados de toda a turnê (ainda não sei como ele obteve esses dados tão rapidamente). Acho que ele sabia o quão irônico estava sendo, falando isso na Praça da Apoteose, Sambódromo, lugar onde um mês antes ocorreu “um dos maiores espetáculos da terra”, ou seja, o Desfile das Escolas de Samba e o Carnaval.

Mas o que começou a me trazer de volta à 2009 foi o eterno Eddie gigante, surgindo mais uma vez por trás do palco, pesado, e com movimentos restritos. Se ainda fosse o Eddie que entrava no meio do palco interagindo com músicos e platéia, seria mais divertido. Mas quando tudo parecia muito anos 80 demais da conta, surge o Eddie do “futuro”. Explico: futuro, ali, entendemos tratar-se do passado, ou seja, do álbum “Somewhere in Time”, de 1986 que tinha um clima “Exterminador do Futuro”, cheio de guitarras sintetizadas.

Poucos dos cerca de 40 mil espectadores perceberam o humor da banda, que ao deixar o palco, puseram como música de encerramento “Look at the bright side of Life”, a canção que os crucificados cantam no final do filme A Vida de Brian, dos conterrâneos Monty Python. A emoção vai se esvaindo, e o quadro ia chegando ao fim. Hora de descer da arquibancada.

Indo embora, percebia como tudo passou rápido. Voltando, víamos a cara do Brasil. Num imenso corredor sem graça (concreto, vocês já sabem) camelôs que não conseguiram esconder a cara de que estavam lá por obrigação e não por “amor ao metal”, vendiam alguns tipos de “camisas oficiais” da turnê. Pensei em comprar uma, mas a piada sairia relativamente cara, já que 20 reais era o preço de uma camisa com estampa frontal totalmente plastificada e, nas costas, letras góticas escorrendo sangue, com os dizeres “Iron Maiden 2009. Eu fui”.

Uma coisa engraçada me veio à mente. Estou a uma semana de estar no mesmo local para minha atual banda favorita, o Radiohead.

Agora imaginei que o show da semana que vem seria melhor num evento dos moldes do Claro que é Rock (que teve Sonic Youth, NIN, Flaming Lips), com área mais verde, grama, tenda lounge, arquibancadas mais próximas etc.

Lendo a comparação que Simon Reynolds faz entre Thom Yorke e Morrisey, hoje em dia fingimos ser normal, ou se tornou “parte da paisagem”, a afetação do ex-vocalista dos Smiths, banda mais que consagrada pelos entendidos de rock. Boa parte dos meus amigos ainda acha estranha a afetação do vocalista do Radiohead. Mas por favor, tenham mais consideração.

Além do Radiohead, na sexta também veremos Kraftwerk, os reis das músicas criadas por sequenciadores, e executadas ao vivo de um modo quase secreto: ninguém vê o ato de “esmerilhar o instrumento”, já que as telas dos laptops dos quatro membros escondem os teclados e estranhas mesas de mixagem.

Depois, o rock estranhamente eletrônico do Radiohead, que tocam rádio, alteram voz, tocam instrumentos eletrônicos saídos de museu (onde se compra um Ondes Martenot do século XIX?), ou seja, reverenciam sons eletrônicos executados como instrumentos “de verdade”. Bem, o ano de 2009 parece que está finalmente começando. Não é só marola.

Por Sidney Honigsztejn

segunda-feira, 16 de março de 2009

CHUVA, SUOR E CERVEJA



No meio do temporal, dentro do táxi, toca o telefone. Chamada restrita. Assim mesmo eu atendo:

- Sim?
- Sabe quem está falando?
- Deixa eu ver, nessas horas...Deus, provavelmente...
- Como adivinhou?
- Quem é vivo sempre aparece.
- Tá curtindo a chuva?
- Se eu estivesse fora do táxi, poderia até curtir mas...
- Quer que eu dê um jeito nisso?
- Não! Não! Não! Aqui tá ótimo. É que vendo daqui da janela, as pessoas estão ensopadas e parecem não se importar.
- E você sabe que a voz do povo é a minha voz.
- Sei. Haha. Também, Mestre, vamo combinar...tava um calor inacreditável.
- Acredite.
- Bem, vindo do Senhor, eu acredito. Mas a que devo a honra?
- E os raios? E os trovões? Tá maneiro?
- Um pouco assustadores...
- Rapaz, eu não devia, mas vou te revelar um segredo...
- Fala, véio...
- É minha câmera nova...Sony DSC-H10, Zoom Óptico 10x, 8.1 MP...que disparou o flash aqui e não sei como parar...
- Cadê o manual?
- Não consigo achar...algum Judas deve ter pego...
- Bom, esse modelo, acho que é meio antigo...
- Antigo nada! Parcelei em sete vezes, pra descansar no oitavo...daí...
- Mestre, só um instantinho que aqui na Primeiro de Março, centro da cidade, o momento é tenso...
- Eu sei.
- Eu sei que o Senhor sabe...acho que vi um tronco de árvore boiando...Ou foi um corpo?
- Ah, não...Não é nada...é só uma marolinha...
- Já ouvi essa frase em algum lugar.
- Achei que você estivesse falando do Choque de Ordem.
- Pois é...pensei até em uma piadinha sobre isso e o temporal...
- Ah, não conta não que é sem graça...
- O Senhor acha?
- “Choque de Ordem de verdade é quando a pessoa é atingida por um raio”? Valha-me eu!
- Nesses momentos que eu gostaria de encontrar a sua inspiração.
- Veja você...Outro dia, eu alcancei minha própria inspiração e fiz sabe o que?
- E eu lá sou o Senhor pra saber?
- Entrei pro Facebook.
- Amém.
- Mas eu tô com uma dúvida pra saber qual foto que eu ponho no perfil...por isso que eu decidi tirar essas fotos, pra ver se eu me decido por alguma.
- Com quem o Senhor parece?
- Assim de imagem e semelhança? Saca o Nelson Rodrigues Filho?
- Hmmm. Então estou no caminho certo.
- Tá pensando que é Deus?
- Algum parâmetro eu tenho que ter, meu Pai.
- E como estão as coisas?
- Achei que o Senhor soubesse...
- Eu sei. Mas eu gosto de ouvir também.
- Bem, se amanhã der sol, se o Senhor quiser...devo sair pra andar na praia. O resto do dia devo ficar ao que Você, digo, o Senhor dará...
- Tá fumando? Tá bebendo?
- Mais do que mereço, menos do que devia.
- Sua cabeça é seu Guia.
- E essa chuva não para não?
- Não pára não pára não pára...
- O Senhor também foi no bloco do Roberto Carlos neste carnaval?
- Esqueceu que estou em todos os lugares?
- Até no show do Daniel?!
- Você joga pesado...
- Pilherias certamente...
- Amizade, vou nessa. Fique comigo.
- Axé. Sua bença.
- Eu te abençoe.

sexta-feira, 13 de março de 2009

GREY GARDENS



“Dois caminhos divergiam num bosque de outono,
E que pena não pude seguir por ambos.
Tomei o menos trilhado
E isto fez toda a diferença.”

Os versos de Robert Frost servem como a epígrafe perfeita para “Grey Gardens”, filme comovente e perturbador dos irmãos Maysles.

A história é a seguinte: Em 1973, Edith Beale, 78, e sua filha Edie, 56, respectivamente tia e prima de Jackeline Kennedy Onassis, moravam em Grey Gardens, uma mansão em East Hampton, balneário de luxo perto de Nova York com oito gatos, pulgas, mato tomando conta do jardim, paredes descascadas, guaxinins e sem água encanada. Elas se isolaram ali há mais de vinte anos depois que o marido de Edith a deixou, levando junto o nome e o prestígio da aristocracia americana.

Edie, a filha, nunca se casou. Enquanto a família ainda estava estruturada, estudou literatura, arte e canto. De rosto e corpo belíssimos, quase tornou-se modelo. O que dá a entender no filme é que nunca se interessou pelos rapazes da alta roda, sempre jogadores de pólo, de golfe ou megaempresários com os cofres cheios de cascalho.

Por outro lado, Edith, a véia, chegou a fazer carreira de cantora e gravou alguns discos. Alguns dos melhores momentos do filme estão em suas observações sobre a vida e nos momentos que ela canta. Mesmo com todas as dificuldades de relacionamento entre as duas e a insalubridade dentro e fora de casa, o carisma dessas duas mulheres é impressionante.

Agora, um pouco sobre os realizadores deste filme: Os irmãos Maysles dirigiram pérolas como “Caixeiro Viajante” (sobre a rotina de quatro vendedores de Bíblia) e “Gimme Shelter” (sobre os Rolling Stones). Eles atuam simplesmente como observadores, acompanham diretamente a realidade, respeitam o tempo de seus retratados, observando os conflitos, delírios e alegrias. Ao mesmo tempo que participam, comem da mesma comida, aparecem refletidos nos espelhos, sempre de maneira respeitosa e por vezes implacável, sempre impulsionando a vida.

A dependência psicológica entre mãe e filha rendem diálogos geniais. Dignos de um romance de Faulkner ou uma peça de Tenesse Williams. Eu penso: Como cuidar de nossos “Grey Gardens”?

quarta-feira, 11 de março de 2009

A LEGIÃO URBANA SEMPRE VENCE



Pensei: Escrever alguma coisa alguma coisa sobre a volta de Sarney, Collor e Renan Calheiros. Mas a verdade é que esses caras nunca foram, logo, como poderiam voltar?

Aproveitando a lebre levantada por meu amigo Fred aqui objeto sim objeto não em “O Brasil como frustração”, especulo sobre os sucessivos desastres políticos que sofremos até aqui revisitando o “V”, disco da Legião Urbana lançado em 1991.

Naquela época, esperar por mais um capítulo de “O Dono do Mundo” era a única certeza permitida. O cinema nacional não existia e o din-din que a gente botava na poupança o governo (Collor) catou. A atmosfera era pesada. O clima era ruim. O tempo fechou.

Renato Russo em entrevista para Alexandre Matias, Folha de São Paulo, 2001: “A gente tentou fazer uma música alegre pelo menos, de tudo quanto foi jeito, e não saía. "Vento no Litoral" só tocou porque tem uma melodia bonita. Acho "Metal contra as Nuvens" uma música super acessível. O problema é que o disco falava de coisas que as pessoas não estavam querendo ouvir na hora. Foi quando estourou a axé music, a gente veio na contramão. Mas o disco tem as melhores letras, de longe. Consegui falar tudo o que eu queria. Mas as pessoas não queriam ouvir aquilo. Por exemplo, "Metal contra as Nuvens" é uma música sobre o Collor, mas nunca ninguém falou sobre isso.”

A banda parecia que estava perdendo a linha, Renato Russo no auge da vulnerabilidade e o mundo todo lutando contra a estupidez, o vazio e as forças do mal. “V”, um disco extremamente delicado e sincero onde, ao mesmo tempo, a sensação era a de estar de frente para um abismo.

Hoje em dia, você pode espetar o cabelo, mandar ver em alguns acordes na guitarra, gritar alguma coisa sobre o amor no microfone, pedir pro baterista esmurrar a caixa e o baixista fazer o bonito. É só ensaiar, marcar uns showzinhos, jogar alguma coisa no youtube que de algum jeito vai rolar. A coisa pode ser vazia assim mesmo já que o lance é entreter os outros. Diria Lester Bangs: “Ego é o veneno que embala todo popstar.” Nada contra. Se fode aí. A indústria cultural não tem muito mais a nos oferecer que rostos sem expressão. Mas, cabe a pergunta: “E aí, meu irmão, cadê você?”

Sujeitos como Lou Reed, Bob Dylan, Leonard Cohen, Arnaldo Batista, Bob Marley, Lee Perry, Peter Tosh, Renato Russo, Torquato Neto, entre tantos outros me fizeram aceitar o trágico da vida. Essa coisa que requer firmeza e imaginação. Tanta violência, mas tanta ternura.

terça-feira, 10 de março de 2009

A CIDADE ILHADA



Uma frase de Julio Cortázar volta e meia me vem à mente: “A realidade é minha grande mulher”. Penso que o significado do significado desta frase pode ser usado em diversos tipos de situação. No caso, ele estava falando de onde vem a inspiração para escrever.

E é justamente com uma citação de Cortázar que começa o livro de contos “A Cidade Ilhada”, de meu conterrâneo Milton Hatoum. Reproduzo aqui: “O conto é uma pequena e perfeita esfera verbal que guarda uma única semente a ponto de eclodir.”

Depois do impacto de “Órfãos do Eldorado” e “Dois Irmãos” neste início de ano, prometi a mim mesmo afrouxar o lastro emocional que me liga a Manaus, a cidade ilhada do título, e procurar outros autores. Alguns entraram na fila. Mas o Hatoum sempre fura a fila. É que nem disco do Roberto Carlos. Tá o nome do sujeito na capa? Pega. Nem que seja pra dar uma olhada. Ou uma espiadinha, como diz o outro.

Manaus é uma cidade ilhada por excelência. Lá não se chega por terra. Só é possível chegar de barco ou de avião. O acesso difícil e o rápido desenvolvimento através das indústrias que lá se instalaram, a praga dos “condomínios inteligentes” em contraste com a exuberância da natureza, a ocupação desordenada, a questão militar e estratégica transformaram a região em uma província moderna.

A parte boa é que toda vez que leio os textos de Hatoum lembro da terra e do mormaço, do remanso das águas, da leseira de fim de tarde por causa do calor, do cheiro das folhas no quintal, do café da manhã farto, das chuvas certeiras e torrenciais, das primeiras descobertas do corpo, lembro das histórias que meus tios e tias me contavam. Histórias extraordinárias, abertas, carregadas de hiatos, mistérios, dissimulação e formalidade.

Muito parecidas com os contos deste belo livro. Como a história do cientista japonês que navegou sozinho o Rio Negro, a viagem de Euclides da Cunha, o poeta que nunca saiu da praça mas que conhecia Paris inteira, traições, brigas irreconciliáveis, amores perdidos, honra, fama, índios, nordestinos, ingleses e árabes. Tudo junto e misturado.

Diria o escritor argentino Ricardo Piglia: “O conto reproduz a busca sempre renovada de uma experiência única que nos permite ver, sob a superfície opaca da vida, uma verdade secreta.”

Palavras do próprio Hatoum: “Manaus me persegue onde quer que eu vá.” Também sinto que nada me afasta de lá. Há uma equivalência que não foi destruída por todos esses anos. É o desejo do amor e da literatura que nos aproxima.

segunda-feira, 9 de março de 2009

RE-PASSANDO KRAFTWERK



“Emoção é uma palavra estranha. Existe uma emoção fria e uma outra emoção, ambas igualmente válidas. Não é a emoção do corpo, é emoção mental. Em nossas apresentações, canalizamos toda a nossa concentração para a música. Estamos muito interessados na origem da música, na fonte dela. O som puro é uma coisa que gostaríamos muito de alcançar”.

Trecho da entrevista de Florian Schneider, fundador da banda alemã Kraftwerk, para Lester Bangs, Revista Creem, 1975.

O pessoal do Kraftwerk poderia tranquilamente estar incluído na série anterior “Orixás, Santos e Demônios” pela discografia mitológica e também porque eles devem “baixar” aqui no Rio dia 20 lá na Apoteose, junto com os estimados Los Hermanos e Radiohead.



Mesmo sendo esta a terceira vinda dos alemão, a expectativa é de uma performance intensa e surpreendente. A primeira vez, no MAM, foi demais. Ficou bem claro em minha mente suja que alguma coisa verdadeiramente autêntica ocorreu ali.

Kraftwerk significa “Usina de Força” e a sensação no show era a de estar dentro do reator da usina processando propaganda ecológica, elogio à prática de esportes, imagens de trens, aviões, navios, carros, bicicletas, antigas propagandas de eletrodomésticos, desfiles de moda, tudo em sincronia perfeita com as canções.

Agora, surge a lembrança do futurista Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, e sua “Ode Triunfal”:

“À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto.
(...)
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
(...)
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro.
(...)
Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
(...)
Içam-me em todos os cais.
Giro dentro das hélices de todos os navios.
Eia! Eia-hô! Eia!
Eia! Sou o calor mecânico e a eletricidade!”

WE ARE THE ROBOTS



Vai ser da pesada.

domingo, 8 de março de 2009

ORIXÁS, SANTOS E DEMÔNIOS – III

Como é bem sabido, os ritmos intensos produzidos pelos tambores dentro dos terreiros há muito já invadiram ruas, cidades, corações e mentes. O domínio e o conhecimento de um vastíssimo repertório musical fazem do candomblé uma religião dançante por excelência. Tambor é ritmo, movimento, energia, axé.

Explica Reginaldo Prandi: “Para tudo se canta. Para acordar, para dormir. Para tomar banho, para comer. Para ir à rua e chegar em casa. Canta-se para colher as folhas e para cada folha uma cantiga específica. Canta-se para se benzer durante os trabalhos de limpeza ritual do corpo e da alma. Para invocar os ancestrais e afastar os maus espíritos. Para realizar os sacrifícios, para oferecer as comidas. Para a luz do dia e o escuro da noite; para que o amanhã volte sempre a acontecer. Para a terra, para a chuva e para o vento, canta-se para os caminhos que se abram e para que a vida seja menos dura. Canta-se também pelo simples ócio. Canta-se pela liberdade.”

Candomblé, samba, carnaval, capoeira, jongo, tambor de crioula, maracatu, tudo gira com um eixo comum: a música. E sempre em rodas, sempre em círculos, sempre em torno. Repetindo e inaugurando novos ciclos, mudanças, expansão de idéias.

É infindável a lista de músicas brasileiras que fazem referências aos orixás, encantados e outras entidades. Desta vez, vamos de Martinho da Vila, direto do clássico “Canta Canta Minha Gente”:


sexta-feira, 6 de março de 2009

ORIXÁS, SANTOS E DEMÔNIOS – II

O Rio de Janeiro sempre foi um importante centro de candomblé, apesar de sua identificação com o pólo “degenerado” dos cultos afro-brasileiros. Na literatura especializada, é a pátria da macumba, menos pura, menos tradicional, culto sincrético que deu origem à umbanda.

As primeiras informações sobre os cultos de origem africana no Rio de Janeiro estão reunidas no livro intitulado “As Religiões no Rio” (1904) de João Paulo Alberto Coelho Barreto, mais conhecido como João do Rio. Atraído pelo contraste entre a agitação da vida moderna e a sobrevivência de uma centena de cultos e religiões em oposição às crenças positivistas do início do século XX.

Naquela época, o Bairro da Saúde e a Praça Onze, no centro da cidade, concentravam um grande número de pessoas de origem africana. A “pequena África” como era conhecida a área, compreendia a Senador Eusébio, a Visconde de Itaúna e o Canal do Mangue. Toda essa área foi destruída com a construção da Avenida Presidente Vargas.

Com o aumento dos aluguéis no centro, os africanos e seus descendentes tiveram que se deslocar para o subúrbio, seguindo a linha do trem. Assim, foram formadas as primeiras casas de candomblé nas periferias do Rio.

Assim como João do Rio, outro escritor que atuou quase como um escavador da fisionomia do Rio de Janeiro foi Lima Barreto. No livro de contos “Histórias e Sonhos” ele mistura literatura, documentário, saber popular e sociologia das religiões:
“Inhaúma é ainda dos poucos lugares da cidade que conserva o seu primitivo nome caboclo, zombando dos esforços dos nossos dias para apagá-lo.
É um subúrbio de gente pobre, e o bonde que lá leva, atravessa umas ruas de largura desigual, que não se sabe, por que, ora são muito estreitas, ora muito largas, bordadas de casas e casitas. Fogem para lá, sobretudo para seus morros e escuros arredores, aqueles que ainda querem cultivar a Divindade como seus avós. (...) É o lugar das macumbas, das práticas de feitiçaria com que a teologia da polícia implica, pois não pode admitir nas nossas almas depósitos de crenças ancestrais.”

In Memorian, Barrosinho:

quinta-feira, 5 de março de 2009

ORIXÁS, SANTOS E DEMÔNIOS - I

Com a licença dos guerreiros protetores e tomando emprestado um título de Reginaldo Prandi, lanço aqui algumas opiniões, ilustrações, citações, rimas, provérbios, depoimentos, cantigas, poemas, transas, transes, e tranças sobre espiritualidade e as suas inúmeras manifestações na cultura pop.

Exu. Nas palavras de Jorge Amado: “Exu come tudo que a boca come, bebe cachaça, é um cavaleiro andante e um menino reinador. Gosta de balbúrdia, senhor dos caminhos, mensageiro dos deuses, correio dos orixás, um capeta. Por isso, sincretizaram-no com o Diabo; em verdade ele é apenas o orixá em movimento, amigo de um bafafá, de uma confusão mas no fundo, excelente pessoa. De certa maneira é o não onde existe o sim; o contra em meio ao favor; o intrépido e invencível.”

Sem Exu, os Orixás não podem ajudar seus fiéis. Exu transforma o conflito em harmonia. Tudo sabe, ouve e transmite. Garante a eternidade do povo e a continuidade do homem.

ORIKI


Escreveu certa vez Antônio Risério: “Tudo o que existe, aqui ou no outro mundo, pode ser premiado com a composição de um oriki. Orikis são emitidos para ninar crianças, celebrar deuses, receber visitas, batizados, noivados e funerais. Em suma, pontuam todos os momentos da existência social na Iorubalândia. Oriki. Música verbal. Melopéia. É bom enfatizar que ninguém emite um oriki de orixá em vão. Recitar ou cantar um oriki de Oxossi, por exemplo, é o mesmo que recitar um poema de Blake, ou cantar um blues de Billie Holiday.”

ORIKI de EXU:

Laroiê!
Rei da Astúcia.
Senhor dos Ardis.
Margem, Zona de Fronteira.
Ruas, Esquinas, Estradas.
Interstícios.
Personalidade Liminóide.
Inocência de criança e licença de ancião.
Protetor do Terreiro.
Porteiro e guardião.
Sempre invocado para o bom desenrolar da festa.
Madeira que cupim não rói.
Braço direito de Orunmilá.
Anda pelos campos, anda entre os ebós.
Atirando uma pedra hoje,
Mata um pássaro ontem.


“Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo se mostraria ao homem tal como é, infinito.” – William Blake.

terça-feira, 3 de março de 2009

ULTRAWORLD: MEU MUNDO E NADA MAIS.



“The Orb´s Adventure Beyond the Ultraworld” em uma boa tradução à brasileira ficaria “As aventuras de Raul Seixas no país de Thor”. Feito “Segura o Sassarico da Nega” tradução de “Sense and Sensibility”, livro de Jane Austen e não sei se por sorte ou por castigo, perdi minha edição. Ao contrário, poderia provar que tudo que se fala, existe.

A fraca memória transtorna a lembrança de quando ouvi THE ORB pela primeira vez. Porém, acredito ter sido lá pelo meio dos anos 90, desesperadamente apaixonado.

THE ORB: Primeiro padrão estético a ser resgatado. Porque é preciso. É preciso resgatar a experiência ultra sensorial na música pop. É preciso resgatar a polifonia. É preciso resgatar a estranheza e a beleza. É preciso resgatar a diferença.

BICHOS, GRILOS

THE ORB e as primeiras raves: Na época, eu vagava o dia todo. À noite acabava num restaurante e curtia mais uma saudade.

Eu pensava: Será que estavam testando “ecstasy” nas pessoas? Certos caras não pareciam doidões, pareciam totalitaristas. Foi estranho, muito estranho...Enquanto isso, entre outras coisas, camarões boiavam na superfície da sopa...

As músicas do “Orb – Live 93”, entram ou parecem entrar em sintonia com os ciclos da natureza. As melodias confundem-se com o ambiente, acrescentando ainda mais sons estranhos e ao mesmo tempo familiares: Um galo que canta, motocicletas arrancando, velhos programas de rádio, percurssões, passarinhos, muriçocas, porções de vozes, sirenes, baixo e bateria.


Outras CAÔsiderações:
THE ORB E A MELOPÉIA


O escritor Ezra Pound (ABC da Literatura, 1934) chamou de “melopéia” o mundo criativo dos sons no texto poético.

Transubstanciação: Transformar água em vinho. Transformar-se, converter-se.

THE ORB é a transubstanciação da melopéia em dance music.



Tá ligado?

segunda-feira, 2 de março de 2009

CALÇADÃO



Aí eu fui andar em Copacabana. Algumas frases que peguei de orelhada...

O vendedor de amendoim e o polícia:


- O senhor viu só que pedaço de mulher? Imagine inteira.

- Haha.

Um cara suado sem camisa e outro suado de terno e gravata:

- Como tem veado em Copacabana...

- Menos concorrência pa nós, né não?

Jovem vagabundo e um médico:

- É preciso ser meio doido pra morar em Copacabana.

- Ah, é.

Uma mulher vestida de lantejoulas e um anão mal barbeado:

- O Rio de Janeiro é a cidade mais incrível do mundo para mim.

- Olha só como o sujeito ultrapassou aquele ônibus.

Um motorista e um astronauta:


- Fico pensando se um dos meus problemas é que nunca fui o melhor em nada.

- Eu quero política. Eu tenho esperanças.

Um poeta e uma entomologista:

- O carnaval ainda não acabou. Outro dia mesmo andei com um taxista que estava fantasiado de motorista.

- O senhor é engraçado.

Um professor de inglês e uma garçonete:

- Vida é analisar verbos e escovar os dentes.

- Socorro!

domingo, 1 de março de 2009

TRÊS POEMAS DE FRANCISCO ALVIM

LUZ

Em cima da cômoda
Uma lata, dois jarros, alguns objetos
Entre eles três antigas estampas
Na mesa duas toalhas dobradas
Uma verde, outra azul
Um lençol também dobrado livros chaveiro
Sob o braço esquerdo
Um caderno de capa preta
Em frente uma cama
Cuja cabeceira abriu-se numa grande fenda
Na parede alguns quadros

Um relógio, um copo

CARNAVAL

Sol

Esta água é um deserto

O mundo, uma fantasia

O mar, de olhos abertos
Engolindo-se azul

Qual o real da poesia?

SOFRIMENTO

Cara de tristeza na festa
Anda, vê um copo d´água pra teu pai

Francisco Alvim nasceu em 1938 em Araxá, Minas Gerais.